Centro de documentação
e arquivo feminista
elina guimarães
Alice Moderno (1867-1964)
Teria sido a primeira mulher em Ponta Delgada a fazer um corte de cabelo aos 19 anos. Alice sofria de enxaquecas e o pai, médico, recomendou-lhe aplicações de água fria, o que se tornava penoso diariamente, com o cabelo comprido. «Comecei a passar muito melhor, dali a pouco estava boa. Entraram a dizer a minha mãe e as minhas amigas que me ficava bem». Mais tarde seria considerada excêntrica pelo seu gosto pela camisa branca, com colarinho e gravata preta, acompanhado por chapéu masculino e bengala. Na década de 40, era vista pela manhã nas ruas de Ponta Delgada, fumando charuto, a passear um cãozinho pela trela.
Mulher de letras, professora, jornalista, e republicana militante Alice Moderno desempenhou um importante papel na vida social e cultural açoriana. Filha de Celina Pereira de Melo Maulaz (n.Nova Friburgo, Brasil) e de João Rodrigues Moderno (n.Rio de Janeiro), Alice Moderno nasceu em Paris, onde os pais se instalaram. No entanto, o casal Moderno mudou-se para a Terceira, ainda no ano de nascimento de Alice, ali permanecendo durante nove meses. Regressaram a Paris, e só em 1876 vemos de novo Alice Moderno em Angra do Heroísmo, e depois em Ponta Delgada, onde se fixou a 31 de Agosto de 1883, ano da sua estreia literária, com a publicação da poesia «Morreu», a que se seguiu três anos passados o seu primeiro livro de versos, «Aspirações». Alice Moderno fundou o jornal Recreio das Salas (1888), dando igualmente início a uma colaboração activa no quotidiano Diário de Anúncios (1891), que dirigiu entre 1892/93. O novo século viu Alice Moderno fundar um novo jornal, A Folha, cuja publicação se estendeu até 1917. Trabalhadora incansável, relatou em carta a Ana de Castro Osório, a 3-XII-1906:
«É debalde que me levanto às 6 da manhã e me deito à meia-noite. Nunca consigo dar conta de todos os meus negócios em dia, e as cartas acumulam-se na papeleira à espera de vez. (…) Felicito-a pela tradução do seu livro As Mulheres Portuguesas no idioma francês, que é o vulgarizador por excelência. (…) Não imagine que eu vivo no paraíso. Pobre de mim! Passo a vida a trabalhar no meu escritório de redacção, onde dirijo tudo o que se faz e corrijo provas inverosímeis, até de anúncios de vinho de cheiro e batata inglesa. Ou em casa dos meus alunos a leccionar. Só me afasto para tratar de negócios.» (In Maria da Conceição Vilhena,Uma mulher pioneira – Ideias, Intervenção e Acção de Alice Moderno, Edições Salamandra, Lisboa, 2001, p.198/9).
Em 1909 Alice Moderno adquiriu uma propriedade na Fajã de Baixo, onde se cultivavam os ananases que exportava. Em 1910 participou como republicana e feminista na vida social, defendendo o sufrágio universal. Da sua obra escrita ficou-nos os versos, um romance, três peças de teatro, os artigos na imprensa, e o ensaio Açores: Pessoas e Coisas (1901).
Cristina L. Duarte
2010