Centro de documentação
e arquivo feminista
elina guimarães
Virgínia Quaresma (1882-1973)
O Século de Virgínia Quaresma
Virgínia Quaresma foi a primeira jornalista repórter portuguesa. Para além de redigir notícias, distinguiu-se na reportagem e entrevista, dois géneros que fazem a “passagem” para o jornalismo moderno. Nasceu em 1882 e foi, juntamente com Berta Gomes de Almeida, das primeiras mulheres a licenciar-se em Letras (1903).
Virgínia Quaresma começa a trabalhar no Século, a convite de Manuel Guimarães, em 1908, logo a seguir ao assassinato do rei D.Carlos que levara à suspensão do Jornal da Noite, onde começara as suas lides jornalísticas. Passou por outros jornais, mas voltava sempre ao Século onde chegou a chefe das Informações Gerais e Reportagens Especiais»1, dando um forte impulso à reportagem.
Em 1910, Manuel Guimarães sai do Século, para fundar A Capital ( ficava no prédio da esquina da Rua do norte, nº 3, para a Praça de Camões, onde estivera o Centro Regenerador) convidou Virgínia Quaresma para integrar a nova redacção e ela aceitou, sendo uma das suas mais valiosas colaboradoras. Virgínia aí trabalhou ao lado de Mayer Garção, Hermano Neves, Herculano Nunes, Jorge de Abreu, Silva Passos, Avelino de Almeida, Garibaldi Falcão, a elite dos repórteres portugueses, do princípio do século. Camilo Sousa e Almeida era o editor e, na redacção, pontificavam Hermano Neves e a própria Virgínia Quaresma. Os dois normalmente faziam as coisas de maior impacto, reportagens de rua, crime, entrevistas(Virgínia alugara apartamento na Rua do Norte, mesmo em frente do jornal).
Em entrevista à Capital de 26 de Agosto de 1911 Virgínia diz que adora a profissão de jornalista, que os colegas homens, sempre a acolheram muito bem nos diferentes jornais por onde passou e que gostaria de ver outras mulheres a ganhar a vida como jornalistas, já que ela era a única, em Portugal. «Um dia, em Paris, sugeriu-me a idéia de atravessar o oceano e ir exercer a minha profissão até ao Brazil, cujos encantos alguém acabara de descrever. A aparição de uma “repórter” despertou a atenção dos jornaes e imediatamente A Época me propoz, para experimentar, uma “interview” com Pinheiro Machado, – o único político brazileiro que jámais atendera um jornalista. Por meio de um “truc”, que fez sensação, venci a resistência daquele estadista – e, desde então, a minha carreira ficou assegurada.
Aí fez uma carreira brilhante até 1917 e voltou ao Rio organizando grandes acontecimentos como a ida, em 1923 de António José de Almeida, presidente da República, ao Brasil, à exposição …., assim como, em 1933, organizou pelo Século, «A semana de Portugal», na Feira de Amostras do Rio de Janeiro, com um programa de conferências, recitais de poesia e concertos, assim como exibição de documentários. Duas organizações que mais fizeram pela cooperação luso-brasileira, que muitos tratados.
Escreveu, opinou, polemizou em nome da causa feminista e pela igualdade de direitos ; o voto, o direito ao trabalho, o acesso às mesmas profissões que os homens, à administração dos bens, ao divórcio, foram tema dominante dos seus artigos e das páginas dos jornais onde colaborou : foi redactora principal na revista Sociedade Futura, de Olga Morais Sarmento, dirigiu a Alma Feminina, uma revista em que, pela primeira vez, em publicações deste género, a mulher operária teve lugar de destaque. Um quarto desta revista é ocupado com a educação : a educação face aos problemas do trabalho, da família, o casamento, o amor, o divórcio, o papel de educadoras das mães, a historia do movimento feminista nas suas diferentes manifestações, o pacifismo. A revista preocupa-se com assuntos pouco usuais como o ensino dos cegos, a ginástica para as meninas, a prevenção e tratamento domiciliário das doenças infantis e a higiene doméstica.
Virgínia assumiu-se mais como feminista do que como republicana mas discursou na Assembleia Geral da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas de 26-10-1910, assembleia que aprovou o caderno reivindicativa das feministas a apresentar a Afonso Costa. Como outras feministas de destaque rompeu com a máxima da tribuna politica para os homens e discursou em numerosas sessões de propaganda republicana nos Centros Escolares Republicanos antes e depois do 5 de Outubro.
Fomentou a criação da secção portuguesa d´A Paz e o Desarmamento pelas Mulheres, depois de ter participado na Liga da Paz.
Discursou na romagem à campa de Carolina Beatriz Ângelo assim como na homenagem a Madeleine Pelletier, incitando sempre as presentes a nunca esmorecerem no combate pela independência económica e a instrução.
2ª parte no Chiado frente ao Chiado Terrace e sede da PIDE
A convite de Óscar de Carvalho Azevedo que conhecera no Brasil, Virgínia chefia a delegação lisboeta da Agência Americana, uma agência noticiosa criada por Olavo Bilac para noticiar o que demais importante acontecia no continente sul americano com destaque para o Brasil: uma nova fase na vida de Virgínia Quaresma
Foi n´A Capital mas principalmente n´O Século que Virgínia Quaresma impôs o gosto pela chamada publicidade redigida, «uma feição nova no jornalismo de língua portuguesa, fazendo os grandes inquéritos à vida económica, industrial, e financeira das duas pátrias e tornando públicas, nos mínimos aspectos do seu desenvolvimento, as fontes da riqueza nacional»2.
Durante a Guerra colocou a publicidade da Agência noticiosa Americana ao serviço da Cruzada das Mulheres Portuguesas, promovendo a auxilio aos estropiados da guerra assim como aos orfãos e viúvas de Guerra .
Na sede da Americana, assim como no Chiado Terrace, mesmo ao lado, Virgínia promoveu saraus culturais, para apresentação de alunas de piano, de fadistas, de poetisas, muito concorridos e com eco em todos os jornais divulgando assim o nome das jovens que davam os primeiros passos numa carreira.
Morreu com 91 anos de idade, vítima de ataque cardíaco. Resumiu assim a sua vida: «fui apenas uma redactora que amava o jornalismo e que vivia para a reportagem».
Maria Augusta Seixas
1 de Agosto de 2010