Ofélia Gonçalves Pereira da Cruz nasce em Lisboa, a 14 de Novembro de 1902, tendo sido uma das primeiras mulheres a frequentar a Universidade, em Portugal. Inscrita no Curso de Filologia Românica, da Faculdade de Letras, abandonou, contudo, a licenciatura no 3º ano1. Ofélia dedicar-se-á, a partir daí, à carreira artística, vindo a integrar o 2º modernismo português.
Casa com o artista plástico Bernardo Marques, assumindo o seu apelido, com o qual passará a assinar os seus trabalhos.
A sua obra multifacetada vai da pintura ao desenho, da ilustração à caricatura.
Tecnicamente, privilegia o desenho. Desenhos que apontam para uma vivência particular, onde crianças, mulheres e gatos, “se confundem em secreta troca de metáforas e afectividades”2.
Assume-se desde sempre como autodidacta.
Como era apanágio dos modernistas desta geração, colabora em diversas revistas, embora esporadicamente. Colaborou com a “Atlântico”, “Panorama”, “Revista de Portugal” e “Civilização”. Nesta última revista, em 1928, ilustra histórias contadas por Rosa Silvestre (pseudónimo de Maria Lamas).
Em 1925, ilustra a primeira versão de “As aventuras de João Sem Medo”, de José Gomes Ferreira.
Nos anos 30 elabora uma panóplia de caricaturas de amigos, por vezes de carácter mordaz, afastando-se do estereótipo que lhe tem sido atribuído de “pintora de crianças”.
No que concerne à pintura, Ofélia estreia-se, em 1926, no II Salão de Outono, no salão dos modernistas, na Casa Bobone. Posteriormente, integra várias exposições colectivas, não tendo organizado nenhuma exposição individual. Contudo, em 1940, recebe o prémio Souza-Cardoso.
Paralelamente a este trabalho público, desenvolve um outro, no espaço privado – o auto-retrato e os desenhos eróticos. Neste espaço privado e clandestino, Ofélia assume o desenho como forma de expressão. Nos auto-retratos, Ofélia revisita-se e transfigura-se, sem espaço para a inocência e para a doçura que encontramos na sua obra pública. Nas cenas eróticas e homossexuais, transgride a moral puritana, imposta às mulheres numa sociedade opressiva e castradora, que era a vivência do Estado Novo.
É neste espaço privado que a artista revela os traços mais importantes da sua obra, ainda hoje esquecida.
Em 17 de Dezembro de 1952, Ofélia suicida-se.
Teresa Sales