Centro de documentação
e arquivo feminista
elina guimarães

Projeto Memória e Feminismos
Múltiplas Discriminações II

INTRODUÇÃO

Todas as formas de discriminação a que as pessoas estão sujeitas surgem em grande medida do medo. Do medo do desconhecido, da ignorância face ao outro/a que se nos apresenta pela primeira vez. Medo daquilo que não controlamos com as “ferramentas” com que fomos educados/as. Esse medo do desconhecido, que se espalha pelas comunidades transverte-se em estereótipos. Digamos que é um embrulho mais soft do “medo” que nos assiste. Uma forma subtil de estigmatizar o que é diferente.

Uma questão premente que se coloca face aos estereótipos que podem assumir diversas configurações, quer sejam: sociais, políticas, raciais, religiosas, idade ou sexuais, é o que se pode fazer com vista à sua erradicação.

Neste caso concreto o que mais nos preocupa são os estereótipos de género e qual a posição de uma organização feminista no combate a este flagelo. Sabemos e já foi aqui foi dito que o desconhecimento do outro/a, das suas vivências e dos seus anseios é a base do estereótipo. Urge por isso, a sua desconstrução. Se a desconstrução do estereótipo passa pela sensibilização e uma nova postura face ao sistema educacional tradicional, qual a posição de uma associação feminista face às discriminações que sofrem as diversas pessoas envolvidas em múltiplas discriminações?

Julgamos, pois, como associação feminista que há longos anos tem trabalhado com as mulheres, em prol dos seus direitos, num árduo caminho em busca da igualdade de género, que o mais importante no caso das mulheres sujeitas a múltiplas discriminações é ouvi-las. Escutar as suas angústias, os seus anseios, as suas perspetivas emancipatórias e sobretudo dar-lhes a palavra. A palavra que não têm tido, numa sociedade descartável que se desembaraça daquelas que por qualquer razão fogem do padrão normativo.

Não há igualdade de género, nem feminismos sem uma memória histórica das mulheres. E, sobretudo daquelas que enfrentam estereótipos e preconceitos sociais. São mulheres que sobrevivendo numa sociedade patriarcal, ainda assim conseguem a sua emancipação. Como feministas que somos, temos o dever de as apoiar. Mas um apoio sem atitudes paternalistas, que não pretende falar em nome destas mulheres, pretende sim, escutá-las. Dar-lhes voz.

Foi neste contexto que a primeira edição do projeto Memória e Feminismos: Múltiplas Discriminações se apresentou. Não através de recolhas de Histórias de vida de Mulheres, mas através de um ciclo de tertúlias, onde ouvimos representantes de mulheres lésbicas e trans, mulheres imigrantes, mulheres ciganas e trabalhadoras do sexo. Um ciclo que teve em conta uma opção interseccional, para a elaboração de cada painel.

Deste modo, na tertúlia sobre as mulheres lésbicas e trans, tivemos mulheres que sofrem discriminações por serem negras, o mesmo se passando quando tivemos entre nós mulheres imigrantes. As discriminações de género cruzam-se com as de orientação e identidade sexual, com as que têm origem na raça, etnia e ainda, com as discriminações que pesam sobre as mulheres que prestam serviços sexuais, que também são trans e imigrantes. As conclusões destes painéis foram apresentadas em Seminário. Seminário esse, que contou com a participação da Senhora Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade.

A UMAR considera que a experiência que teve com estas tertúlias foi demasiado importante para parar por aqui.

Por isso, queremos dar continuidade a este trabalho avançando para outros grupos, como mulheres com diversidades funcionais, trabalhadoras domésticas, mulheres das zonas rurais do interior do país e mulheres negras e afrodescendentes.

As mulheres com diversidades funcionais têm sido esquecidas, apesar da existência de organizações que trabalham as questões da deficiência. Organizações que procuram garantir-lhes direitos entre os quais o do trabalho. Ser mulher com deficiência é diferente de ser-se homem com deficiência? Sabemos que sim, pois estas mulheres, também estão sujeitas às discriminações de género, tal como as outras mulheres. Mas certamente, num grau superior.

As trabalhadoras domésticas, são desde há muito tempo um grupo social discriminado por desconhecimento dos seus próprios direitos. Os serviços que prestam são desvalorizados, por serem considerados socialmente pouco relevantes. São serviços mal remunerados, particularmente por serem prestados junto de famílias que usam e abusam do trabalho destas mulheres.

As mulheres das zonas rurais, especialmente se são mulheres jovens ou idosas, sofrem os custos de uma interioridade, que as priva de terem igualdade de oportunidades no acesso à educação, ao emprego e aos serviços de apoio.

As mulheres negras e afrodescendentes, apesar de muitas delas já terem nascido em Portugal, sofrem o preconceito da cor da pele, que ainda hoje subsiste, numa sociedade que se afirma não racista.

A UMAR consubstancia a sua vertente reflexiva através da disseminação das tertúlias envolvendo mulheres vítimas de discriminações acima assinaladas. As conclusões serão apresentadas em seminário final e publicadas em livro.